sábado, fevereiro 24, 2007

06) Um alerta de outros tempos...

Em 1917, pacifista convencido, Romain Rolland, escritor francês, manifestou-se da seguinte forma em relação às unanimidades "patrióticas" a que assistia à sua volta:

"Todo homem de verdade deve aprender a ficar só no meio de todos, a pensar só por todos. A humanidade pede àqueles que a amam de fato que, sempre que necessário, sejam capazes de guiá-la e revoltar-se contra ela".
Romain Rolland, "L'Un contre tous", publicado parcialmente em 1917, depois transformado em Clérambault, histoire d'une conscience libre pensant la guerre.

Publicado no Brasil como História de uma consciência - Clérambault (4a. edição: Rio de Janeiro: Editora Ponguetti, 1948).

(informações retiradas da biografia escrita por Alberto Dines: Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (3a. edição, ampliada; Rio de Janeiro: Rocco, 2004), p. 204.

Talvez a mesma advertência devesse se aplicar ao contexto de 1933-34, quando da ascensão do nazismo, ou mesmo antes, nos anos 1920, quando da ascensão do fascismo italiano. As unanimidades assistidas na Alemanha e na Itália, em relação aos dois totalitarismos ascendentes contribuiram para que ditadores desequilibrados conduzissem seus respectivos países, a Europa inteira e grande parte do mundo a um ciclo infernal de destruições e mortes que até hoje nos causam horror.

Em escala diferente, mas com igual pertinência, creio que cabe alertar contra descaminhos que nos parecem conduzir nossa sociedade a recuos ou pelo menos à estagnação, no plano econômico e material, quando não a retrocessos nos planos político ou cultural. Nessas horas, talvez seja útil seguir a lição de Rolland e ficar sozinho contra todos, e cumprir o papel de mensageiro do desastre, não tendo medo do isolamento, mas respondendo exclusivamente à sua própria consciência.

domingo, fevereiro 18, 2007

05) Retrato dos tempos...

Vence na vida quem diz sim
Chico Buarque

Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim
Se te dói o corpo, diz que sim
Torcem mais um pouco, diz que sim

Se te dão um soco, diz que sim
Se te deixam louco, diz que sim
Se te tratam no chicote, babam no cangote
Baixa o rosto e aprende o mote, olha bem pra mim

Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim
Se te mandam flores, diz que sim
Se te dizem horrores, diz que sim

Mandam pra cozinha, diz que sim
Chamam pra caminha, diz que sim
Se te chamam vagabunda, montam na cacunda
Se te largam moribunda olha bem pra mim

Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim
Se te erguem a taça, diz que sim
Se te xingam a raça, diz que sim

Se te culpam a alma, diz que sim
Se te pedem calma, diz que sim
Se já estás virando um caco, vives num buraco
E se é do balacobaco olha bem pra mim
Vence na vida quem diz sim

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

04) Reflexoes sobre o exilio...


Stranded

Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)

Intelectuais dissidentes, opositores de um regime ditatorial qualquer, perseguidos de opinião e outros desviantes políticos do momento costumam refugiar-se em algum lugar seguro, seja para continuar sua obra costumeira, seja simplesmente para garantir sua segurança pessoal, em circunstâncias difíceis de suas vidas. A imagem da ilha deserta vem logo à mente como o local literariamente plausível para um exílio (auto-)imposto.
Victo Hugo, por exemplo, opositor declarado ao golpe do segundo Bonaparte, o 18 Brumário de Louis Napoléon, na caracterização de Marx, escolheu refugiar-se numa das ilhas de Jersey, no Mar do Norte, perto da Normandia, mas sob jurisdição britânica, e por lá ficou por cerca de 20 anos, só voltando à França com a queda do usurpador da segunda República. Já o capitão Dreyfus não teve escolha: foi recolhido na ignomínia à ilha do Diabo, até ver o seu caso revisto, sob pressão de outros intelectuais opositores, e ser reabilitado. Comeu o pão que o diabo amassou, como se diz, na companhia de baratas e outras pestes.
Não tenho as mesmas preocupações, nem enfrento os mesmos perigos. Meu exílio é diferente: ele independe de lugares ou de situações: ele é basicamente interior e é constituído, finalmente, pelos mesmos elementos que sempre integraram minha vida de leitor e de escritor, ou seja, livros, papel e pluma, atualmente substituídos pelo computador, obviamente.
Talvez seja uma nova forma de ilha deserta, ainda que povoada de livros. Mas eu me sinto conectado ao meio ambiente e acompanho a realidade política e econômica, não apenas nacional. Não me sinto expulso ou cercado por forças hostis e, a bem da verdade, nunca fui tão livre como agora. Outros preferem caracterizar esses exílios virtuais não como uma estada forçada em alguma ilha deserta, mas como uma travessia do deserto, como diria o General De Gaulle. Sem pretender me equiparar a tão ilustre personagem, creio que também estou enfrentando a minha travessia do deserto, aliás, desde algum tempo já.
Circunstâncias desse tipo fortalecem o espírito e incitam à revisão de nossas atitudes, ao confrontar-nos com atitudes e comportamentos que poderiam ter sido outros, e que poderiam ter levado a outros resultados. Somos sempre responsáveis pelas nossas escolhas, e uma boa dose de autocrítica é sempre bem-vinda. Minha ilha sou eu mesmo e meu computador. Assim será...

Brasília, 2 de fevereiro de 2007