domingo, outubro 14, 2007

9) PIB diplomatico potencial, parte II

Na seqüência do meu PIB Diplomático Potencial, vejamos esta passagem, aplicada a um diplomata de outros tempos:

"Uma nova fase se abria na sua existência, ao mesmo tempo que se fechava a simplesmente burocrática, que havia começado com a nomeaçao de 1876. Durante esses dezesete anos julgara que todos os seus conhecimentos iriam ser utilizados na obra que projetava escrever sobre a História do Brasil. A missão em Washington, porém, dava-lhe um rumo inesperado. Inicia-se, por fim, a sua carreira de homem de Estado. Antes, fora a fase da preparação; a partir desse momento, será a fase da realização."

(Rio Branco, Biografia, por Alvaro Lins, p. 178).

domingo, outubro 07, 2007

8) PIB diplomático potencial

PIB potencial e disponibilidade intelectual
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; pralmeida@mac.com)

Como sabem os economistas, o PIB potencial corresponde à máxima utilização possível dos fatores produtivos, sem que isso represente pressão inflacionária indevida, ou seja, uma situação de rendimento pleno das possibilidades oferecidas pelos fatores disponíveis sem gerar desequilíbrios que acarretem uma solução sub-ótima. Os números são sempre estimados, mas se considera um valor para o PIB potencial como sendo igual ao produto total que se conseguiria obter com o uso pleno da capacidade produtiva de uma economia, ao passo que os valores reais representam o resultado de certa ineficiência produtiva ou de utilização insuficiente de recursos (desemprego de fatores produtivos).
Acredito que a mesma relação deva existir para um outro tipo de “PIB”, que chamarei de “produto intelectual bruto”, podendo este ser dividido, igualmente, em potencial e real. O PIB real, neste caso, corresponde ao que é efetivamente produzido num determinado espaço de tempo (em geral um ano do calendário), ao passo que o potencial seria a “sobreprodução” ideal, com o pleno emprego de fatores, quais sejam as possibilidades intelectuais do cérebro humano (que me parecem propriamente infinitas). O único constrangimento “inflacionário” a ser considerado neste caso seria o esgotamento físico do “produtor potencial”: uma pessoa normalmente dotada, que pode trabalhar certo número de horas por dia, mas que deve empregar horas “vagas” em outras atividades fisicamente necessárias (lazer, sono, alimentação, convívio social etc.). A diferença, talvez, entre o PIB intelectual e o PIB tradicional, ou seja, a produção física de um determinado sistema econômico, é que o primeiro conhece menos limitações “físicas” do que o segundo. De fato, uma economia está constrangida a uma dotação dada de fatores – terra, capital, trabalho –, ao passo que o PIB intelectual potencial não sofre, em princípio, dos mesmos constrangimentos.
Ouso aplicar este tipo de raciocínio ao meu próprio caso, servidor de Estado do serviço exterior brasileiro, membro da carreira diplomática, podendo desempenhar “n” funções na SERE – Secretaria de Estado das Relações Exteriores – ou em posto do exterior. Adicionalmente, tenho certa capacidade intelectual para o exercício de funções didáticas e acadêmicas, que me levam a empregar certo número de horas, diariamente, na leitura, na pesquisa, na sistematização do conhecimento assim acumulado e seu oferecimento sob a forma de aulas, palestras e, sobretudo, de escritos, que são regularmente publicados sob a forma de artigos em periódicos ou de livros. Posso dizer que tenho utilizado quase que plenamente meu PIB potencial na elaboração desse conhecimento especializado em relações internacionais, esforçando-me por oferecer a leitores mais jovens uma fração daquilo que aprendi em leituras atentas, em viagens e em experiências diversas, na ativa observação da realidade e na reflexão ponderada sobre essa mesma realidade. Acredito ter desempenhado essas atividades em toda honestidade intelectual, o que significa que não mantenho “pré-conceitos” ou julgamentos a priori sobre qualquer coisa, mas que procuro retificar meus argumentos e posições com base numa consideração aberta de todos os elementos disponíveis que se oferecem à minha inteligência e capacidade de apreensão da realidade.
Uma avaliação sumária de minha produção intelectual – parcialmente disponível no site pessoal: www.pralmeida.org – indicaria que o PIB real, ou seja a produção intelectual efetiva, não é nada desprezível, consistindo em uma dúzia de livros próprios, mais meia dúzia de livros editados e algumas centenas de artigos em livros coletivos ou periódicos especializados (físicos ou digitais), alguns até em veículos generalistas. Ela é mesmo, de certa forma, impressionante, para alguém que não exerce atividades acadêmicas em tempo integral e que tem de produzir seus artigos e textos diversos nas “horas vagas” noturnas, depois de uma jornada dedicada a atividades profissionais “normais”. Esta é, pelo menos, a impressão que me foi transmitida por observadores independentes, isto é, pessoas que não me conhecem diretamente, mas que apenas registraram minha produção, por eles classificada justamente de “impressionante”, em face dos muitos textos publicados e inéditos que são até circulados sem o meu conhecimento (em especial por alunos em busca de idéias e materiais para algum trabalho universitário).
Acredito, contudo, que meu PIB potencial, por razões que independem de minha vontade, permanece aquém de minhas possibilidades efetivas. Senão vejamos: sou doutor desde 1984, algo não aproveitado em meu ambiente de trabalho profissional, com exceção de um breve período no ano de 1986. Posteriormente, jamais fui chamado a lecionar na academia diplomática ou para integrar bancas de cursos de aperfeiçoamento ou de altos estudos, mesmo já tendo atravessado os “ritos de iniciação” compreendidos no CAD e no CAE. Tampouco fui convidado para participar de obras coletivas organizadas pelo serviço exterior brasileiro, seja diretamente, seja através do seu “braço intelectual”, o IPRI, assim como sou regularmente ignorado em seminários que têm a ver com temas em que já trabalhei profissionalmente ou academicamente, como são os de história diplomática ou de relações internacionais contemporâneas, nos planos multilateral ou bilateral.
Creio que a razão principal pela não-utilização do meu “PIB” potencial se deva a fatores próprios à minha personalidade, ou seja, não sou apreciado pelos meus colegas, sobretudo as chefias, pois devo ser considerado arrogante, desrespeitoso, inconveniente, enfim, características pessoais que não se coadunam com o que se espera, normalmente, de um diplomata. Reconheço esses defeitos e posso até fazer um mea culpa, mas permito-me registrar, igualmente, que essas características não guardam a menor relação com a qualidade intrínseca dos meus trabalhos, que poderiam ser aferidos e avaliados objetivamente em função do seu potencial de contribuição para o enriquecimento intelectual da instituição a que pertenço, independentemente das qualidades (ou falta de) de quem os produziu. Em outros termos, metade (pelo menos) da responsabilidade pela não utilização de meu PIB intelectual potencial pode ser debitada à própria instituição, que atua em bases mais personalistas do que impessoais, como corresponderia a uma instituição weberiana ideal-típica, se ouso dizer.
Pode ser também que minhas contribuições não sejam consideradas como adequadas ou adaptadas ao tipo de “contribuição intelectual” que se espera de um diplomata “ideal”, em geral um ser reservado, discreto, não comprometido politicamente, evitando emitir opiniões pessoais sobre temas da atualidade corrente, sobretudo os que envolvem políticas públicas, em especial no seu campo de atuação. Ou seja, o contrário, em grande medida, do que eu sou, uma vez que não hesito em fazer uma análise o mais possível objetiva da realidade – o que às vezes pode destoar da visão oficial de um determinado processo ou evento –, como tampouco me eximo de expressar opiniões sobre temas que eu julgo relevantes do ponto de vista do interesse do país ou do serviço exterior brasileiro. Nesse ponto reconheço que não sou o diplomata “ideal”, já que sempre estou pronto a analisar algum problema, qualquer problema, pelo ângulo da lógica formal, do estrito atendimento de critérios objetivos de avaliação – análise de custo-benefício, por exemplo –, sem ceder a soluções de conveniência ou de oportunidade, que costumam expressar uma “verdade do momento”, que geralmente se confunde com a opinião ou a posição de quem a emite. Registro, assim, que já me choquei com “opiniões superiores”, geralmente em função desse meu convívio com a análise acadêmica, supostamente objetiva e desprovida de interesses imediatos, o que não deve ter feito bem para minha carreira ou inserção profissional.
Este talvez seja o preço a pagar pela “independência intelectual”, algo difícil de definir, mas que parece ter algo a ver com a liberdade de pensamento e as condições de sua expressão. Nem sempre, eu até diria quase nunca, instituições burocráticas caracterizadas fortemente pelo espírito de hierarquia e disciplina – como parecem ser a Igreja, as Forças Armadas e, neste caso, o serviço exterior, qualquer um – conseguem conviver com o tipo de independência intelectual que deveria caracterizar, idealmente pelo menos, as academias e outros ambientes de trabalho que se baseiam essencialmente na produção intelectual, como é justamente o caso da diplomacia. Trata-se de uma contradição nos termos, uma vez que a diplomacia – que se supõe seja um puro produto da “inteligência humana”, eventualmente apoiada em algum poder real – poderia se beneficiar com aportes inovadores ou não convencionais, mas parece que esse tipo de “aporte” depende da opinião pessoal de quem detém o comando do processo decisório na diplomacia.
Ao concluir estas reflexões, gostaria apenas de deixar registrado que meu PIB potencial, no campo “diplomático-intelectual”, pode estar sendo subutilizado tanto por deficiências próprias de quem escreve estas linhas, mas também por alguma incapacidade institucional em utilizar-se de valores disponíveis em quantidades “ilimitadas” e sem custo de produção. O desemprego de fatores sempre redunda em baixo crescimento da produtividade, algo que não deveria existir em sistemas dotados de racionalidade intrínseca. Salvo melhor juízo, claro...

Brasília, 26 de agosto de 2007.

quarta-feira, julho 04, 2007

7) Um calculo utilitario: quando dias eu ainda tenho de leitura...

Um cálculo dos meus dias de vida, e o que fazer do que resta...

"Nasceste num sábado!
E hoje é o teu 21046º dia neste mundo!"

Bem, segundo os calculos efetuados com a ajuda de uma planilha Excel, eu tinha completado, no dia 4 de julho de 2007, 21.046 dias de vida.
Se ouso projetar minha vida para mais vinte anos, digamos assim, baseando-me na esperança de vida de um brasileiro de classe média, relativamente saudável, eu teria ainda, a gozar, cerca de 7.300 dias de vida.
Posso até fazer um relógio eletrônico, para me lembrar da passagem do tempo, ou melhor, para me alertar sobre o encurtamento do tempo que me resta, mas não sei se isso vai ajudar muito.
Eu devo ter livros, para ler, que me “exigiriam” mais ou menos 150 anos de vida, o que provavelmente não vai ser possível alcançar.
Então, talvez se justifique algum planejamento quanto ao que fazer com os dias que me restam, em termos de leituras, viagens, cinema, e produção literária, no sentido amplo.
Vou tratar disto assim que terminar dois ou três trabalhos urgentes...

Paulo Roberto de Almeida
Belo Horizonte, 4 de julho de 2007

sábado, fevereiro 24, 2007

06) Um alerta de outros tempos...

Em 1917, pacifista convencido, Romain Rolland, escritor francês, manifestou-se da seguinte forma em relação às unanimidades "patrióticas" a que assistia à sua volta:

"Todo homem de verdade deve aprender a ficar só no meio de todos, a pensar só por todos. A humanidade pede àqueles que a amam de fato que, sempre que necessário, sejam capazes de guiá-la e revoltar-se contra ela".
Romain Rolland, "L'Un contre tous", publicado parcialmente em 1917, depois transformado em Clérambault, histoire d'une conscience libre pensant la guerre.

Publicado no Brasil como História de uma consciência - Clérambault (4a. edição: Rio de Janeiro: Editora Ponguetti, 1948).

(informações retiradas da biografia escrita por Alberto Dines: Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (3a. edição, ampliada; Rio de Janeiro: Rocco, 2004), p. 204.

Talvez a mesma advertência devesse se aplicar ao contexto de 1933-34, quando da ascensão do nazismo, ou mesmo antes, nos anos 1920, quando da ascensão do fascismo italiano. As unanimidades assistidas na Alemanha e na Itália, em relação aos dois totalitarismos ascendentes contribuiram para que ditadores desequilibrados conduzissem seus respectivos países, a Europa inteira e grande parte do mundo a um ciclo infernal de destruições e mortes que até hoje nos causam horror.

Em escala diferente, mas com igual pertinência, creio que cabe alertar contra descaminhos que nos parecem conduzir nossa sociedade a recuos ou pelo menos à estagnação, no plano econômico e material, quando não a retrocessos nos planos político ou cultural. Nessas horas, talvez seja útil seguir a lição de Rolland e ficar sozinho contra todos, e cumprir o papel de mensageiro do desastre, não tendo medo do isolamento, mas respondendo exclusivamente à sua própria consciência.

domingo, fevereiro 18, 2007

05) Retrato dos tempos...

Vence na vida quem diz sim
Chico Buarque

Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim
Se te dói o corpo, diz que sim
Torcem mais um pouco, diz que sim

Se te dão um soco, diz que sim
Se te deixam louco, diz que sim
Se te tratam no chicote, babam no cangote
Baixa o rosto e aprende o mote, olha bem pra mim

Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim
Se te mandam flores, diz que sim
Se te dizem horrores, diz que sim

Mandam pra cozinha, diz que sim
Chamam pra caminha, diz que sim
Se te chamam vagabunda, montam na cacunda
Se te largam moribunda olha bem pra mim

Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim
Se te erguem a taça, diz que sim
Se te xingam a raça, diz que sim

Se te culpam a alma, diz que sim
Se te pedem calma, diz que sim
Se já estás virando um caco, vives num buraco
E se é do balacobaco olha bem pra mim
Vence na vida quem diz sim

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

04) Reflexoes sobre o exilio...


Stranded

Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)

Intelectuais dissidentes, opositores de um regime ditatorial qualquer, perseguidos de opinião e outros desviantes políticos do momento costumam refugiar-se em algum lugar seguro, seja para continuar sua obra costumeira, seja simplesmente para garantir sua segurança pessoal, em circunstâncias difíceis de suas vidas. A imagem da ilha deserta vem logo à mente como o local literariamente plausível para um exílio (auto-)imposto.
Victo Hugo, por exemplo, opositor declarado ao golpe do segundo Bonaparte, o 18 Brumário de Louis Napoléon, na caracterização de Marx, escolheu refugiar-se numa das ilhas de Jersey, no Mar do Norte, perto da Normandia, mas sob jurisdição britânica, e por lá ficou por cerca de 20 anos, só voltando à França com a queda do usurpador da segunda República. Já o capitão Dreyfus não teve escolha: foi recolhido na ignomínia à ilha do Diabo, até ver o seu caso revisto, sob pressão de outros intelectuais opositores, e ser reabilitado. Comeu o pão que o diabo amassou, como se diz, na companhia de baratas e outras pestes.
Não tenho as mesmas preocupações, nem enfrento os mesmos perigos. Meu exílio é diferente: ele independe de lugares ou de situações: ele é basicamente interior e é constituído, finalmente, pelos mesmos elementos que sempre integraram minha vida de leitor e de escritor, ou seja, livros, papel e pluma, atualmente substituídos pelo computador, obviamente.
Talvez seja uma nova forma de ilha deserta, ainda que povoada de livros. Mas eu me sinto conectado ao meio ambiente e acompanho a realidade política e econômica, não apenas nacional. Não me sinto expulso ou cercado por forças hostis e, a bem da verdade, nunca fui tão livre como agora. Outros preferem caracterizar esses exílios virtuais não como uma estada forçada em alguma ilha deserta, mas como uma travessia do deserto, como diria o General De Gaulle. Sem pretender me equiparar a tão ilustre personagem, creio que também estou enfrentando a minha travessia do deserto, aliás, desde algum tempo já.
Circunstâncias desse tipo fortalecem o espírito e incitam à revisão de nossas atitudes, ao confrontar-nos com atitudes e comportamentos que poderiam ter sido outros, e que poderiam ter levado a outros resultados. Somos sempre responsáveis pelas nossas escolhas, e uma boa dose de autocrítica é sempre bem-vinda. Minha ilha sou eu mesmo e meu computador. Assim será...

Brasília, 2 de fevereiro de 2007